Assisti recentemente mais uma vez ao documentário José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, que mostra um pouco da relação do escritor Jose Saramago e sua amada, Pilar Del Río. Confesso que quando vi no cinema pela primeira vez, comecei o filme achando-o um cara triste, depressivo, niilista, orgulhoso até. Mas os minutos foram passando e fui descobrindo a alma sensível e poética deste homem que dedicou toda sua vida às letras.
O cotidiano de um escritor tão falado, para o bem e para o mal, me tocou profundamente. Sua dedicação diária ao seu derradeiro livro: A viagem do Elefante, a intimidade do casal, o cuidado de Pilar para que as críticas negativas não chegassem a Saramago, a triagem das dezenas de cartas e convites para prêmios que o escritor recebia diariamente. Vi uma mulher forte e decidida, mais uma secretária eficiente do que uma esposa. A princípio me assustei com esta dama de aço que controlava a agenda do escritor a ferro e fogo. Achei-a dona do grande Nobel de Literatura e isso me irritou (a mim e, decerto, aos portugueses que a detestam por essas e outras).
Porém, o andamento do filme vai descortinando um casal onde o amor e o respeito mútuo é a tônica. Saramago tinha verdadeira devoção à sua musa inspiradora. Pilar, grande admiração por este homem recluso. Vi uma relação de amor. Sim, amor, como é difícil se achar por aí em qualquer esquina. Numa sociedade onde a banalização do amor é grande, onde as relações são muitas vezes frívolas, passageiras, carnais apenas, ver o amor em sua melhor expressão é muito inspirador.
“Se eu tivesse morrido aos 63 anos antes de lhe ter conhecido, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”.
Saramago tinha um método de trabalho. Escrevia duas páginas por dia do seu romance (quanta disciplina!). Caiu abalado por uma doença, ficou dias internado, saiu e, finalmente, conseguiu terminar seu livro sobre os pensamentos de um paquiderme. Pensei: o que de interessante pode haver na vida de um elefante? Só a mente genial de um escritor como Saramago pode responder. Vou ler o livro.
Pra não dizer que nunca li Saramago, tive o prazer de cruzar com A maior flor do mundo, para fazer uma seleção para a Especialização em Literatura Infanto-Juvenil na UFF. Livro lindo e delicado, cheio da poesia e profundidade do escritor. Vi no cinema Ensaios sobre a Cegueira, filme de Fernando Meirelles feito a partir do romance homônimo de Saramago. Um filme denso, triste e, a meu ver, muito negativo, já que mostra toda a decadência da sociedade e a capacidade sombria do ser humano. Dois extremos. Um livro para crianças cheio de poesia e otimismo. Um filme que exibe o quanto a humanidade é um erro, pensamento que Saramago expressa constantemente em Jose e Pilar.
Vejam o curta de animação do livro A maior flor do mundo:
Também li um livrinho fino e despretencioso chamado A última entrevista de José Saramago e o que li só confirmou minha impressão sobre este grande autor: é um homem intenso e apaixonado pela beleza das letras. Fechei a última página já com uma lista de títulos dele que desejo ler.
Saramago era um ateu convicto, que não tinha medo da morte nem acreditava num depois. Criticava a sociedade e sua capacidade destrutiva. Mas, veja que paradoxo, ao mesmo tempo mostrava toda a sua beleza e inventividade, reafirmando, ainda que não quisesse, que há Pessoas (com caixa alta mesmo) neste mundo, no melhor sentido do termo. Seres humanos, na melhor concepção da expressão. Saí do cinema naquela oportunidade mais certa que há amor neste mundo de guerras e desvarios. Há amor, há respeito, há poesia e beleza. Obrigada, Pilar. Obrigada, Saramago.
Shirley!
Sua ausência foi grande. Mas seu retorno maravilhoso!
Excelente texto. Eu fiquei ainda mais apaixonada por Saramago!
beijos, Elaine Cunha
Obrigada por sua generosidade, Elaine. :-)
Não me lembro de ter lido Saramago, mas depois deste post, sabe que deu vontade de ler? :)
Ele é apaixonante. Veja o filme e me diga o que achou, Silvia. bjs
Sempre você, com suas percepções…