Quando eu era menina, ficava olhando pela fresta da cerca de madeira a casa do vizinho de fundos. Ele era um senhorzinho que mais parecia um Preto Velho. Negro, cabelos grisalhos, fala rouca e mansa. Devia ter uns 80 anos talvez.
Minha mãe, que sempre foi uma pessoa que se importou com a pobreza e escassez alheia, mesmo não tendo ela própria os recursos que sonhou, todo dia à tarde dava ao homem um pouco do café que fazia. Ele passava sua caneca de alumínio amassada e velha pela cerca e minha mãe enchia de café, dando um pouco de calor e sabor aos dias daquele homem. Eu gostava daquele velhinho. Achava-o simpático e tinha algo de misterioso poder espiá-lo pela fresta da cerca. Sabe como são essas brincadeiras de criança, de ficar querendo desvendar os segredos escondidos…
O senhorzinho fazia aniversário no dia 4 de dezembro: dia de Santa Barbara, como minha mãe sempre ensinou. Ela repetia a cada ano que, no dia da santa, sempre caía temporal. Minha mãe tinha razão (e olhe que naquela época não tinha nem sinal de aquecimento global e mudanças climáticas!). Lembro que, nesta data, muitas e muitas vezes caía uma chuva bem forte, com direito a raios e trovões tão intensos que uma vez até vomitei, de tanto medo. Faltava luz e acendíamos velas. Minha mãe tampava os espelhos com panos, porque dizia que atraíam raios. E não nos deixava pegar em nada de metal durante os temporais. Deitávamos na cama e nos acolhíamos em seus braços, eu e meu irmão.
Só com o passar dos anos descobri que Santa Bárbara, no sincretismo com a Umbanda, é Iansã: a senhora dos ventos e tempestades. Finalmente entendi porque no dia 4 de dezembro sempre caía uma chuva torrencial (este ano não caiu, mas deve ser culpa das tais mudanças do clima!). Talvez fosse só a proximidade do verão, não sei. Mas o fato é que aprendi a respeitar, e muito, a rainha das tempestades. Por isso, em homenagem ao seu Guilherme, o senhorzinho que ganhava o café da minha mãe, já falecido, a Santa Bárbara e a Iansã, escrevi este post e deu a maior saudade da minha infância. Que as tempestades continuem varrendo as energias ruins pra longe e os ventos tragam pra nós boas energias. Eparrei, Iansã, eparrei!
Shi
Lindo esse seu post!
Acabei viajando para minha infância também, guardo recordações muito fortes dos dias de tempestade, minha mãe era exatamente igual à sua: reunião os seis filhos em volta dela, não podíamos fazer nada e escondia todos os espelhos da casa. Então contava suas histórias de quando era criança e morava em Portugal, parece que tô vendo a cena, todos nós com os olhos fixos nela para não perder nenhuma cena, nossa que saudade!!!!!
E depois da tempestade, formávam-se pequenas lagoas de água barrenta na rua (não tinha asfalto naquela época) e nós nos esbaldávamos, não tinha nenhum preocupação com dengue e com doença.
Enfim, tempos muito bons e de agradáveis lembranças.
Bjs.
Querida Shirley,
ADOREI o texto… e é isso aí, eu, como filha de Iansã, também espero que as tempestades afastem de nós todos os males e que os ventos soprem forte e tragam com eles as energias positivas para todo nós….
Obrigada.
Bjs
Flávia, que bom te ver no meu blog! Sim, Fatinha, a saudade e as lembranças boas ficaram. Que em 2010 esses ventos nos tragam só boas e amorosas experiências para todos nós. bjs